SOBRE O FUTURO DA ESTRATÉGIA
Eu diria que se você perguntasse à qualquer um sobre o futuro, ninguém saberia lhe responder. O que as pessoas podem fazer é olhar para o passado e perceber algum tipo de conexão entre passado, presente e futuro. Dessa maneira é possível chegar um pouco à frente dos outros no pensamento. Então, nenhum de nós é clarividente, mas é importante perceber como se dá o desenvolvimento das coisas, e perceber isso antes dos outros. E é por isso que se você me perguntar: como será a estratégia no futuro? Eu teria que começar a responder me perguntando: Como foi a estratégia no passado? Como ela pode estar se modificando? E depois pensar no que viria a acontecer.
A estratégia é uma velha história, digo, não é nada novo. Falamos de estratégia a centenas de anos. As ideias iniciais sobre estratégia não vieram de negócios, ou de pessoas de negócios propriamente ditas. Eles tentaram, sim, nos dar algum prumo, mas provavelmente as ideias iniciais vieram de militares. Só começamos a pensar seriamente em estratégia, depois da Segunda Guerra Mundial. Digo que as pessoas de negócios já a praticavam, mas foi aí que se criou uma literatura especifica para o assunto, dentro da administração.
E pensando naquele tempo, tudo estava em expansão, já que todos se recuperavam de uma má fase. E naquela época, o importante era assimilar a estratégia corretamente, e se você a assimilasse corretamente, só precisava expandir. Não era necessária a modificação constante da estratégia. Se você assimilasse a estratégia certa para um segmento de mercado, era só expandir e expandir. Nós ficamos nessa situação por aproximadamente 20 anos, já que tudo crescia, o foco era encontrar a estratégia adequada, e então implementá-la e multiplicá-la.
Só começamos a mudar quando algumas companhias se deram conta de que não pertenciam a um só mercado com um negócio. Elas estavam em diversos mercados. Já que com a expansão das barreiras as companhias começaram a diversificar e ir além de seus mercados locais e mesmo, dos Estados Unidos, nós começamos a pensar sobre as coisas fora dos Estados Unidos.
E pela primeira vez as pessoas pararam para pensar que já não precisavam mais de só uma estratégia, precisavam de mais de uma. Já que estamos diversificados e descentralizados, nós precisamos de estratégias descentralizadas. Teremos diversas. E pela primeira vez ouvimos a expressão “Estratégia das Unidades de Negócios”, já que as companhias estavam em negócios múltiplos. Foi aí que separamos a estratégia corporativa, pertinente à companhia inteira, das estratégias de uns ou outros negócios.
Essa foi uma mudança gigantesca, e ela só aconteceu quando as companhias perceberam que estavam se segmentando estruturalmente. Foi então que tivemos as Unidades de Negócios, foi uma grande mudança.
A segunda grande mudança ocorreu, e eu me lembro disso, pois vivia nos Estados Unidos, quando o acesso ao dinheiro ficou relativamente fácil, se você tivesse um bom projeto. Então, os bancos estavam abertos 24h por dia, 7 dias por semana. Se você tivesse essa boa ideia, podia pegar o dinheiro. Nessa época, as companhias não pediam muitos empréstimos. Então se elas tivessem bons projetos poderiam ir aos bancos, pedir e executar esses projetos.
Depois, chegamos a outra mudança fundamental, o dinheiro passou a não ser encarado como um recurso universal, disponível em qualquer horário, em qualquer lugar. E algumas companhias começaram a perceber que se queriam financiar essas Unidades de Negócios, teriam que tirar o dinheiro de alguma outra Unidade. Você precisava fazer o seu portfólio de escolhas. Se esse negócio pode crescer e, precisa de dinheiro e, esse outro negócio está com fluxo de caixa e, pode prover esse dinheiro, por exemplo. Essa foi uma grande mudança, já que antes se pensava que todos os negócios cresceriam e se sustentariam, ciclicamente. E então surgiram essas ideias de fazer o portfólio, em que alguns negócios são investimentos e outros são geradores de renda.
Então, a terceira mudança que aconteceu foi o começo da real internacionalização. E a expressão “Estratégia Internacional” começou a ser utilizada em livros e em ideologias. E o que podemos abstrair disso é que a estratégia nunca foi uma coisa só, sempre foi um alvo em movimento. E se podemos dizer que aprendemos alguma coisa, é que a estratégia não será amanhã, exatamente o que é hoje.
Essas mudanças vêm acontecendo mais aceleradamente. Um exemplo de algo que hoje é muito diferente é a tecnologia, que têm papel fundamental no desenvolvimento de novos produtos e novos mercados. Então, as companhias começaram a pensar que a estratégia pode estar relacionada com a dimensão da tecnologia, mas não só. Começamos a ouvir falar em estratégia da tecnologia e se temos as tecnologias apropriadas para competir em mercados diferentes.
Na verdade, algumas pessoas são enganadas por isso, pois começam a acreditar que todas as estratégias são desenvolvidas em laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. Isso também não está correto, pois algumas das novas coisas e oportunidades para a diferenciação não tem a ver com produtos, mas com design. Veja, por exemplo, os Ipads e Ipods, que não necessariamente são populares por serem aparelhos tecnicamente inovadores, mas por serem mais finos, por serem mais bonitos, mais interativos. E isso não tem a ver com tecnologia, mas com design.
As estratégias de muitas empresas não são dependentes de tecnologias, mas de serviços. Agora a estratégia passa a englobar não só bons produtos, com boa tecnologia e bom design. Nossa estratégia passa a ter que englobar uma dimensão de serviço. É como se combinando diferentes elementos pudéssemos chegar a uma nova maneira de trazer satisfação ao consumidor. E a satisfação do consumidor é o objetivo principal da estratégia.
Se você me perguntasse agora sobre o futuro, eu mencionaria que uma coisa que é constante é que existem duas ou três coisas que são importantes e continuarão a ser importantes, e mesmo a definir uma boa estratégia. Certamente, estabelecer os objetivos do negócio, incluindo os objetivos de outros negócios que possam usar ou prover seu dinheiro. Essa é uma constante que perdura. E hoje em dia, é ainda mais importante, pois não temos só duas ou três divisões, temos vários pedacinhos de companhias, em que cada um exerce um papel diferente.
Uma segunda dimensão, e eu escrevia um livro sobre isso, há aproximadamente 20 anos, é o modo como definimos o negócio. O escopo do negócio continua a ser um dos aspectos mais importantes, mas é de algum modo, negligenciado. Na verdade, algumas companhias são bem sucedidas, pois definem seus negócios, diferenciadamente, desde o começo da empreitada.
Uma das novas dimensões, que vai evoluir no futuro, não é só relativa aos clientes, ou ao que fazemos para eles, mas à como nos definimos verticalmente nessa cadeia de valor, aonde competimos. A maneira que parece funcionar, é que muitas companhias estão terceirizando coisas que antes elas possuíam. Fazendo isso, se livram dos custos fixos. Competem orquestrando as funções desempenhadas por outros, não necessariamente, sendo donas desses serviços. Veremos isso cada vez mais, pois com a globalização, percebemos que os serviços pertinentes às partes diversas de uma empresa, são providos por diferentes cantos do mundo.
E essa complexidade nas cadeias de fornecedores, muito mais diversificada, faz com que muitas pessoas, quando falamos de internacionalização, pensem em mercados, mas os fornecedores são igualmente enquadrados nessa categoria. As melhores companhias ao redor do mundo procuram pelas melhores pessoas. Elas não se importam se essas pessoas vêm da Tailândia, ou do meio da África, ou do Brasil, elas procuram pelo melhor, aonde quer que esteja. E a estratégia se trata, cada vez mais, em descobrir onde estão os pontos de alavancagem no mundo. E agora, não só nos Estados Unidos.
Acontecem coisas maravilhosas em partes do mundo que não podemos nem imaginar. Pessoas fazem coisas de ponta e nós nem mesmo sabíamos o que estava acontecendo, de repente, somos enormemente surpreendidos. Isso é algo que devemos monitorar para o futuro. Não devemos pensar que tudo de bom vem do ocidente, ou “The Best comes from West”. Isso seria extremamente idiótico nos dias de hoje. Você precisa olhar e ver onde as grandes coisas estão acontecendo, e não necessariamente em empresas, já que coisas maravilhosas, que podem afetar o seu negócio, talvez aconteçam em lugares inesperados. Essa é uma dimensão nova.
Acho que outra dimensão, que também é nova, é que agora estamos começando a acreditar que são no empreendedorismo e na tomada de decisões que as pessoas podem vencer ou perder nos negócios. Então, estratégia, sim, mas na verdade as companhias têm procurado pessoas que tomem iniciativa e ajam como empreendedoras na corporação. E os empreendedores sempre foram conhecidos por não serem grandes planejadores e não se preocuparem com seus recursos. Eles se preocupavam mais em arranjar oportunidades do que com recursos em si.
No mundo corporativo, pensávamos que a estratégia residia em entender no que somos bons, de quais recursos dispomos, e então tentar usar isso. Mas os empreendedores nos ensinam que na verdade é o contrário. Se você conseguir identificar as oportunidades antes dos outros, você pode entrar no mercado antes, conseguir os recursos mais rapidamente, encontrar o dinheiro, encontrar a tecnologia, em algum lugar, para dar conta do serviço.
Então, enquanto avançamos, a estratégia se distancia de ser uma compilação de recursos e competências, para ter uma crescente preocupação em encontrar as oportunidades antes, mais rapidamente. Em termos mais empreendedores nas companhias, para que as coisas andem, mudem. Essas são só algumas das coisas que me vêm à mente.
• SOBRE COMO ENCONTRAR OPORTUNIDADES
Penso que se você observar os empreendedores, a razão pela qual eles farejam boas oportunidades, é que elas estão em qualquer lugar. Eles são como bombas de energia. Os verdadeiros empreendedores estão em todos os lugares, o tempo todo. Falam com muitas pessoas, se envolvem em todos os tipos de atividades, leem muito, pensam muito, saem por aí, gastam muita energia. Nesse processo, de muita atividade e em diferentes lugares, eles acham as oportunidades automaticamente.
No mundo corporativo, se você for a algumas empresas, verá as pessoas entrando em seus escritórios todas as manhãs, ligando seus computadores, sentados na frente da tela o dia todo. Quando saem do escritório, vemos que em um dia inteiro, quase não fizeram contato com ninguém. Isso nunca levará à identificação de oportunidade.
Os empreendedores vivem um estilo de vida completamente diferente. Por isso precisamos fazer com que mais pessoas nas empresas atuem aonde acontecem as coisas. Façamos com que saiam, pensem, não só em suas áreas de trabalho, mas em outros tipos de atividades humanas.
Os empreendedores fazem todos os tipos de coisas, aprendem, adquirem novas ideias. Vão a concertos, jogos de futebol, leem livros, assistem televisão, ouvem rádio, e principalmente, são pessoas interessantes.
Então, temos um mundo corporativo muito pesado, muito voltado para si, e que não proporciona um esquema em que se possa encontrar oportunidades. É o modo como se vive, como se comporta.
Eu acho que vemos uma grande diferença no nível de energia dos empreendedores, e em sua paixão no que estão envolvidos. Eles ficam um pouco anormais, pois têm novas ideias loucas, mas não sabem se vão funcionar. No entanto, se uma não funcionar, eles acham outra.
No mundo corporativo, se uma coisa não funcionar, tendemos a fechar essa porta para sempre. E achar que reabri-la dará mal azar, pois a ideia não vingou. Já os empreendedores, podemos dizer que são como joãos-bobos, em que se derrubarmos sua base plástica, o peso que fica embaixo, fará com que se levantem novamente.
Eu penso que algumas companhias não são tão cegas. E que existem algumas pessoas que tentam algumas coisas, que algumas vezes funcionam e outras não.
Mas no caso dos empreendedores, alguns falham monumentalmente, e mesmo assim conseguem se reerguer. Acho que isso seria mais difícil de acontecer no mundo corporativo, as pessoas tenderiam a manter suas cabeças abaixadas, para não arriscarem demais, já que devem atingir tal performance e tais resultados. Por isso, elas não avançam com o mesmo tipo de paixão.
Acho que talvez a palavra paixão seja muito importante no desenvolvimento da historia da estratégia. Se você me perguntasse sobre o futuro da estratégia, eu poderia lhe dizer que se trata de ser mais apaixonado. Não conseguiremos montar esse tipo de estratégia sem pessoas que a suportem e façam o que disseram que fariam em seu planejamento estratégico. Essas provavelmente seriam as companhias que conseguissem engajar as pessoas. E que poderiam nutrir essas pessoas apaixonadas, para que mobilizassem os outros e se juntassem para realizar algo. Isso faz com que eu pense que a estratégia não pode ser feita por consultores, por exemplo.
Passamos por um período em que precisávamos de muitas habilidades analíticas, em análises competitivas, por exemplo, dados de marketing e planejamento financeiro. Agora nós já sabemos como fazer isso, a parte que falta é que, feito tudo isso, com tudo planejado, ninguém irá fazer mais nada, e a nova estratégia entraria como contraponto. Alguém com paixão convenceria outras pessoas de que essa é uma ótima coisa a se realizar. Eles teriam os dados para se apoiarem, mas o componente principal seria a paixão.
Veremos mais disso, só por que, sem isso, não funcionaria. A falta desse componente é um dos meus “o que não fazer”. Não é só um “posso fazer” ou um “poderia fazer”, mas um “gostaria de fazer”. E, provavelmente, acerca da pergunta que você me fez antes, é um “deveria fazer”. Estamos em um mundo em que finalmente entendemos que nem tudo são negócios, negócios, negócios, e que mesmo os negócios não são só negócios.
Os negócios têm um papel fundamental no desenvolvimento das nossas sociedades e no desenvolvimento das pessoas. As boas estratégias serão resultado não só dos “posso fazer” ou “poderia fazer”, mas também dos que têm paixão por fazê-lo, e que façam coisas importantes para a sociedade como um todo.
Isso não é realmente novo, mas antes não era um tema dominante, especialmente nos últimos 20 anos, nós nos esquecemos. Alguns empreendedores, há 50 anos, já pensavam assim, que estamos no ramo dos negócios para fazer uma contribuição, não só lucrar. Na verdade, se pensarmos, ao fazer a contribuição, podemos fazer lucros.
• SOBRE SUSTENTABILIDADE E ESTRATÉGIA
Acho que a palavra sustentabilidade tem a ver com dois significados muito distintos, e as vezes, os confundimos. Existe a palavra sustentabilidade em um sentido ambiental, ecológico. E essa é uma questão importante, mas muitos desses problemas têm raízes muito maiores do que só negócios.
E existe o outro sentido de sustentabilidade, que significa que você quer que a sua companhia seja sustentável. Significando, não só estar aqui hoje e desaparecer amanhã. Mas que as coisas sejam feitas progressivamente para que você fique por cima. Não pensando em um prazo de um ano ou 3 anos ou 5 anos, mas em crescer e prosperar por um longo período de tempo.
E esse não é um ideal ambiental de sustentabilidade, é uma ideia de negócios. Acho que muitas empresas estão indo contra essa corrente e se concentrando em resultados em curto prazo, sem nem pensar em longo prazo. Há uma distância muito grande do crescimento próspero, longo e sustentável. E acho que isso também é uma tendência.
Entrevistadores:
Fernando Serra (Diretor Acadêmico HSM Educação) e Jorge Carvalho (Gerente de Conteúdo da HSM)
Sobre Derek Abell:
International Dean da HSM Educação. Professor e Associate Dean de Harvard Business School entre 1969 e 1981. Dean do IMEDE por 8 anos, instituição predecessora do IMD (Lausanne). Presidente-fundador do ESMT - European School of Management (Berlin). Doutor honorário pela State University of Management de Moscow pelo seu comprometimento em estabelecer e desenvolver escolas de negócios no Leste Europeu. Consultor da ONU, países da Europa e de empresas globais. Conselheiro do Central and East European Management Development Association (CEEMAN) e do European Foundation for Management Development (EFMD). Um dos precursores da "Estratégia Corporativa" e autor de algumas das principais obras no gênero como Defining the Business: The Starting Point Of Strategic Planning. Mestre pelo MIT e Doutor pela Harvard Business School.


